O mundo de hoje mostra-nos uma realidade
semelhante à do povo de Israel, povo rebelde e infiel como diz o profeta e
espera que alguém faça idêntica pergunta: afinal onde mora Deus perante tanta
rebeldia?
Não é
difícil pintar o quadro de sombras que pairam no horizonte. Mundo de ateísmo e
afastamento de Deus. Ninguém pode ignorar os múltiplos aspectos de rebeldia e
indiferença espiritual do homem que, longe de Deus, cava a sua própria
destruição.
Buscam-se
ídolos no poder, no racionalismo e na falsa ciência sem sobrenatural, no
hedonismo egoísta, violento e cego que nega toda a ordem de valores éticos e a
dignidade da própria criatura humana, criada à imagem de Deus. Idolatria na
exploração do outro pela sede de riqueza a todo o custo, nas desordens da
sexualidade entendida apenas como instinto irracional, sem compromisso nem
responsabilidade, afastada de todo o complemento afetivo e de humanidade plena,
sem respeito pela ordem e pela pessoa, disposto a usar todos os meios para
destruir as vidas que possam surgir dessa capacidade concedida por Deus quando
chamou o gênero humano a ser colaborador na obra da criação.
O homem
faz-se deus de si mesmo e encontra-se numa situação insustentável, escravo de
todos os desvarios na fé, na ética e no relacionamento fraterno que seria
próprio de irmãos que têm o mesmo Deus como Pai.
Aí está a
infidelidade assinalada pelo profeta. Aí o desespero humano de quem não
encontra razão de viver. Eis o projeto divino invertido. Eis o plano de
felicidade impossível. Eis o amor perdido, a revolta implantada, o homem
aniquilado.
Mas Deus
não quer uma humanidade condenada ao desespero. Não quer uma sociedade sem lei
nem respeito pelo próximo, não quer uma sociedade em crise. Mandou os profetas
para que denunciassem as falsas aventuras e anunciassem a conversão, mandou os
apóstolos para indicarem caminhos de salvação, mandou o seu próprio Filho para
nos salvar. Confiou à Igreja, aos sacerdotes e aos fiéis, esta missão sublime.
Onde havia infidelidade, lançar a fé; onde a rebeldia, anunciar a confiança;
onde o ódio e o egoísmo, levar o Amor; onde falta Deus, anunciar a sua presença
e despertar o interesse de O encontrar: Mestre, onde moras? E seguir o convite:
vinde e vede. Sim temos de parar. A alegria a que nos convida a missa de hoje
neste peregrinar quaresmal encontra o seu motivo na graça do Batismo, na
infinita misericórdia divina que nos chama a uma vida nova.
Mesmo
reconhecendo e prevenindo contra outras infidelidades do povo de Israel à
maneira das «nações pagãs», infidelidades que provocam a destruição do Templo e
o exílio, a misericórdia do Senhor manifesta-se na atitude do rei da Pérsia que
manda reconstruir o Templo e regressar os filhos de Israel. O povo aceita a
prova e busca a reconciliação e recupera a liberdade para de novo dar
testemunho da sua fé.
A segunda
leitura exprime de modo incisivo que “Deus é rico em misericórdia” e que tudo
quanto há de bom e vida renovada é fruto desse amor infinito de Deus que chama
continuamente à perfeição.
Se a
salvação adquirida é pura graça divina, ela obtém-se pelo bom uso da liberdade.
Nicodemos, modelo do homem livre, movido pelo santo desejo de verdade, foi ter
com Jesus. É pelos caminhos da liberdade que podemos encontrar e seguir a Deus.
«Deus criou o homem racional, dotado do domínio dos seus próprios atos, quis
deixar o homem entregue à sua própria decisão, de tal modo que procure por si
mesmo o seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegue à total e beatífica
perfeição». «A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e de maturação
na verdade e na bondade. E atinge a perfeição quando está ordenada para Deus,
nossa bem-aventurança». (Catecismo da Igreja, n.º 1730 / 1731.).